“Ser teólogo no mundo acadêmico implica em correr o risco de tornar-se uma mente sem corpo. O teólogo que não é pastor se assemelha a uma alma que, depois da morte, foi separada do corpo, isto é, da igreja. Lamentamos esse “estado intermediário” anormal, mas, crentes na ressurreição, aguardamos com expectativa o tempo em que alma e corpo serão reunidos. Mentes teológicas pertencem a corpos eclesiásticos”.
O texto acima é extraído do livro “O Pastor como Teólogo Público” de Kevin J. Vanhoozer e Owen Strachan. Trata-se de um entendimento de Herman Bavinck , no livro “As maravilhas de Deus”; também mencionado por Jonas Madureira em seu trabalho intitulado Inteligência Humilhada, por sinal uma leitura indispensável ao teólogo.
Já faço aqui uma primeira consideração, apesar da inquietude ao ler esta frase e a ansiedade por maiores entendimentos após a leitura no livro já mencionado de Kevin J. Vanhoozer e Owen Strachan, quanto a frase: “mentes teológicas pertencem a corpos eclesiásticos”, posso concordar plenamente. Já ao fato do teólogo ter que ser pastor, não me parece adequado, embora, suscito que o Pastor seja o guardião da Teologia revelada, é ele, o responsável por mantê-la alinhada a palavra de Deus – a bíblia sagrada e divulgá-la junto a igreja.
A teologia: fé e autoconhecimento
Por vezes percebemos cristãos que ao fazer seminários teológico se esfriam na igreja e consequentemente na fé. Por outras vezes, criam teólogos cheios de suas autossuficiências e que não se curvam à sabedoria ou ao conhecimento que não venha deles próprios. Geralmente, pode-se encontrar tais atitudes em pessoas com formação teológica fora do ambiente eclesiástico ou pouca vivência do que é ser corpo de Cristo.
Como evidência, já não oram, não buscam o Espírito Santo, se tornam senhores de si mesmos, insípidos à revelação. O teólogo não será e não poderá sobreviver sem a revelação de Deus, se assim se portar, sua ciência não será divina, mas terrena, incutida em erros e muitas heresias sincréticas devido ao fato que muitas coisas são prazerosas ao coração do homem. Ao perder a visão, tudo que parece prazeroso, este empregará ao culto cristão como se revelado fosse.
Apesar de seus muitos significados, a palavra teologia pode ser compreendida de forma contemporânea, como disciplina acadêmica, num esforço humano para adquirir conhecimento. No caso do teólogo cristão, não deve ser admissível que sua teologia seja apenas acadêmica, antes é preciso que seja eclesiástica também. Diferentemente do filósofo, do pesquisador puro e simples, o teólogo é um proclamador das verdades divinas e deve ser inspirado por Deus, “assim nesse sentido, a teologia é a proclamação” (Pannenberg, 2009. Vol. 1).
Uma mente Crucificada
O ideal para o teólogo cristão é, ao invés de ser uma mente sem “corpo”, é ser um corpo “sem mente” própria – ou seja, a mente precisa está ligada ao corpo, mas quanto ao corpo, a sua mente precisa está subjugada a Cristo. Nesse sentido, o teólogo se difere do filósofo, pois os seus pensamentos não serão senhores de suas ações, antes de filtra-las aos seus conceitos pessoais, culturais, este vocacionado será como um aferidor da palavra de Deus transmitindo-a por meio da revelação a este cofiada. O Teólogo é um vocacionado, desse modo, Cristo o encherá, o Espírito Santo o revelará.
Fora do meio congregacional, o teólogo apenas sendo teólogo é um historiador, um filósofo, cientista religioso, espiritualista talvez, etc. Sim, é possível ser teólogo não cristão. A grosso modo, com o advento da teologia acadêmica, formou-se em teologia, é teólogo. É diferente do fato de fazer teologia. A propósito a teologia não pode ser feita, ela já foi feita, uma vez que seu objeto de estudo não tem sua existência na criação a teologia só pode ser revelada. Sem a revelação, qualquer estudo acerca de Deus são matrizes do pensamento teológico. O estudante de teologia do meio acadêmico secular, portanto sem Cristo, será um pesquisador sobre Deus. De modo desejoso, já o teólogo seminarista congregacional será/seria o mensageiro da palavra de Deus. Pois, sem a manifestação da revelação, a teologia não lhe dará uma evidente e real visão do objeto de seu estudo. Não é dispensável o trabalho que as academias seculares ou generalizadas prestam a pesquisa teológica, pois geram contra pontos e argumentos, porém, o que se discorre aqui é o calibre desta que interessa de forma final à teologia bíblica.
Voltando ao Cemitério
“O teólogo que não é pastor se assemelha a uma alma que, depois da morte, foi separada do corpo, isto é, da igreja”. Gostaria de dar crédito a esta frase de prefácio dos autores no livro “O pastor como teólogo público”, mas ainda não pude, dado ao fato de meditar em alguns textos bíblicos tais como: Ef 4.11; RM 12.5 – 8, e não encontrar sustentação palpável para os argumentos dos autores. Embora, após lido o livro se vê que suas narrativas se ocupam ou preocupam na centralidade de resgar a figura do teólogo pastor – isto é fantástico.
Assim também, este texto se ocupa em apenas a levantar um debate sobre um ponto do livro que não o define como taxativo, mas importantíssimo para esta reflexão exposta aqui. O ofício de ser teólogo não é exclusivo do cristão, uma vez que também é transferida para as academias – este é o primeiro ponto para o nosso argumento. No caso, tais estudos se tornam alheios à confissão de fé e crença. Corroboro que essa expansão foi importante, mas ao mesmo tempo debilitante. Essa adequação levou exatamente à influências de modelos seculares, ciências humanas que de certo modo ofuscam a robustez do teólogo eclesiástico cristão e sobretudo bíblico, se esse se deixar influenciar, é claro.
A Experiência
Recentemente, resolvi realizar um curso de pós-graduação Lato sensu em teologia, oferecido por uma determinada Universidade. Em sua grade estavam, correntes esotéricas e fraternidades iniciáticas, retórica e oratória, fenomenologia, história das religiões, metodologia da pesquisa, trabalho de conclusão e mais três matérias que de fato julguei serem pertinentes à teologia em si. Porém, notei que a palavra bíblia não existia na grade e escassa nos assuntos abordados. Como poderá um teólogo cristão ser aperfeiçoado sob esta perspectiva teológica? Não estou dizendo que para conhecimento não foi válida, no entanto, o que me parece ter sido estudado não foi teologia mas ciências da religião ou teologia das religiões, que ao seu final me garantiu um certificado de pós graduação lato sensu em “teologia”. A obrigatoriedade das matérias exigidas pelo MEC para o reconhecimento como pós não é discutida nesse caso. Penso que as matérias não exigidas pelo Órgão foram escolhidas por profissionais e até mesmo teólogos, porém, sabe-se lá se influenciados pelas ciências humanas secularizadas (distante da bíblia) ou não.
O teólogo cristão não é aquele sem envolvimento com sua igreja local, não está às margens do corpo de Cristo, antes, vive uma vida piedosa e, portanto, desapegado da sua autossuficiência débil que o leva à infertilidade. A sua oração é a genuinidade do que se ora no joelho se sustenta de pé diante de uma vida com Deus; cujo a sua mente não simplesmente pensa, mas sim, reflete para a submissão à revelação de seu Criador. A postura de um teólogo cristão é diferenciada e está além do título. Assim, o diácono pode ser um teólogo, o evangelista, o músico, o pastor e o membro piedoso também. Ele está facultado, intrinsecamente conectado com o corpo de Cristo, santo e sagrado pela dependência do Espírito. Não se trata de preciosismo, fundamentalismo ou religiosidade. O próprio Tomás de Aquino, parte de que, o ponto de vista da inspiração como fonte de conhecimento teológico, “perpassa toda a teoria teológica científica” (U. Kopf, 1974 apud Pannenberg, 2009).
CONSIDERAÇÕES
Segundo Vanhoozer e Strachan (2016), nos primeiros séculos da igreja e, de fato, nos anais da história cristã, os principais teólogos da igreja eram também pastores destas. Pode-se citar , Atanásio, Irineu e Agostinho, etc… a despeito de serem reconhecidos como grandes teólogos, eram também pastores cristãos.
Como proclamador da verdade divina, os autores bíblicos assim também puderam ser chamados em conjunto, de teólogos. O Evangelista João é chamado de teólogo da deidade de Jesus, mais tarde, doutores da igreja como Gregório Nazianzeno com seus 380 discursos sobre a Trindade; Simeão é chamado mais tarde de “novo teólogo”, afirma Pannenberg (2009).
Posto que o pastor pode ser teólogo – precisa e deve ser – tal ministério parece-me indissociável, (assunto extenso para o momento, uma vez que passaria pela qualificação do consagrado) no mundo real acredito ser um dom que nem todos possuem cumulativamente, ou seja, alguns possuirá o dom de pastoreio e mestre, outros somente de pastoreio, outros somente de mestre, onde este último enquadra-se perfeitamente ao teólogo. Outros terão o dom de ensino, seriam esses também teólogos, mestre, professores, seja lá o nome adequado a cada mente, mas não necessariamente de pastorear. Esse chamado o imputa um desprendimento maior em sua característica própria.
Não obstante, a vinculação da exclusividade do cargo de teólogo ao chamado de pastor não me parece coerente, uma vez que é possível, a grosso modo, diferenciar-se um do outro visivelmente em cena. Sobretudo é imprescindível que estejam tanto o pastor (indiscutível), como o teólogo alinhados à última frase de Vanhoozer e Strachan, no texto que de início, “Mentes teológicas pertencem a corpos eclesiásticos”. Existe um ambiente para a inclusão daqueles cristãos que não são pastores, mas são mestres, ensinam com a propriedade de suas pesquisas, com seus dons e sob a autoridade divina.
Por fim, o livro “O Pastor como Teólogo Público”, se trata de uma obra prima extremamente necessária ao tempo presente, de uma propriedade ímpar, vai muito além de uma afirmação da que destaquei aqui, ele atenta para um chamado social, uma identidade real desse escolhido de Deus. No entanto, penso que o fazer teologia cristã está nas mãos de cristãos que sejam maduros, bíblicos, versados nos originais da palavra e cheios do Espírito Santo. Assim, não é possível corroborar com o entendimento de que, “o teólogo que não é “pastor” se assemelha a uma alma que, depois da morte, foi separada do corpo”, mas sim o teólogo que não é cristão.