A Sombra e a Escuridão do Alcoolismo

Muitas pessoas me perguntam porque não bebo bebida alcoólica? – Eu não gosto. Uma forma curta, pouco explicativa e mentirosa de dizer. Na verdade, é uma boa forma de encurtar a conversa. Sobretudo, essa resposta seria mentirosa porque a verdade é que embora nunca tenha provado a cachaça ou um vinho tinto e a tão popular cerveja, eu gosto do cheiro. Sim, eu entendo – que texto confuso né – mas é fato, gosto do cheiro da cachaça, da gasolina, do etanol, do tinner, da graxa, não tenho nada contra o cheiro da cerveja, mas, não pense que sou reprimido pensando que tenho vontade de provar, que minha boca espuma ou enche de saliva ou coisa assim, não, não enche, nunca provei e nunca cherei a bebida por prazer. 

Cresci num lugarejo, onde botecos, não faltavam e bebida de graça era a coisa mais fácil de se obter. A questão é que lá existiam dois homens de meia idade na época que eu era criança para adolescente; vou chamá-los aqui de Pedro e João para preservar a identidade, afinal alguns detalhes certamente revelará aos meus amigos,  conterrâneos, a identidade desses dois senhores.

Eram parentes uma espécie de cunhados se posso dizer, uma vez que Pedro era irmão por parte de pai da esposa de João. Eu os chamaria a bem da verdade de a sombra e a escuridão, como aqueles dois leões do filme “A Sombra e a Escuridão”, estrelado por Michael Douglas. Os leões andavam juntos, atacavam na noite juntos, porém no caso dessa dupla, andavam juntos, trabalhavam juntos, moravam no mesmo terreno, eram pessoas de bem demais da conta, e, o pecado que cometiam de fato, era beber demasiadamente. Isso faziam todos os dias juntos, onde estava Pedro, logo se via João. 

As cenas que eu presenciava quando criança eram engraçadas: via os dois chegando sãos no boteco, brincando conosco (crianças) conversando com todos alí e o carinho para com eles era recíproco. Eram pessoas que não lembro de vê-las um dia só, sóbrios, estavam sempre embriagados, “tontos” – era como falávamos, mas, ainda assim eram respeitadores e prestativos. Um dia Pedro viu meu pai com um carrinho de esterco, pesado, foi querer ajudar a empurrar e tombou o carrinho esparramando o esterco pelo chão e, pior, ele caiu também e quase se machucou.

Chegavam no boteco sãos com “aspecto de alcoólatras” (rostos inchados, semblante decaído e curvo e um pouco de fala desconexa) e só iam embora ao final da tarde, às vezes cambaleando, às vezes um ia, o outro ficava ainda bebendo, às vezes um escorava no outro à caminhar, muitas vezes um caia pelo caminho e lá ficava até que um parente ou no caso de Pedro, a própria esposa viria buscar. Não poucas vezes Pedro saia do bar debaixo das “varadas” ou chineladas da esposa que, também  tinha épocas no ano que era acometida de um nível bem acentuado de uma doença que apresentaria hoje os sintomas de uma esquizofrênica.

Quando adolescente, entre os 13 e 18 anos, por muitas vezes via-os bebendo e as mesmas cenas se repetiam, via com tristeza aquele quadro e por vezes ajudava-os a levantar. Suas falas desconexas, cheiro de urina na roupa, vestimentas desalinhadas e sujas do chão vermelho de terra das ruas sem asfalto. Tais fatos às vezes era com Pedro, mas, ao localizar João, naquele momento, a situação não seria muito diferente.

Pedro e João eram homens que cresceram bebendo e eu pensava: qual foi o dia que aconteceu o primeiro gole? Quem foi a pessoa que lhes trouxe o primeiro gole e como foi a sensação desse primeiro encontro?

Já depois que me tornei adulto, saí do lugarejo em que cresci, mas sempre que lá voltava para visitar amigos e parentes, o sentimento que me ocorria já não era exatamente tristeza, mas de uma certa impotência. Essa era a sensação. A partir de então, minhas perguntas apareciam em forma de contestação. Eles não podem mais deixar a bebida alcoólica, a que ponto chegaram. Se deixarem de beber, provavelmente morreriam. Estão na companhia da bebida desde quando foram apresentados, nunca se separaram dela.

Eu pensava: até que ponto foi apenas um ficamento e, depois paixão, amor e qual foi o dia da escravidão. Alguém apresentou a bebida a Pedro e João ou eles atrevidamente apresentaram-se à ela??? De qualquer forma, ela, sem resistência os aceitou, os seduziu e os envolveu discretamente; os escravizou, os ridicularizou e, por fim, os matou.

Quando Pedro estava vivo, João já havia partido e a notícia que chega é que, João morreu de cirrose e Pedro já estava desenganado pela medicina com os mesmos sintomas. Lembro-me do rosto dos parentes, da filha única de João, dos sobrinhos, da esposa e dos vexames que alegavam passar em detrimento do estado frágil que o excesso da bebida os deixava.

Esta é parte da história de apenas dois homens que, provavelmente, se assemelham a milhares de pessoas, talvez você que lê este texto, sabe contar ou até mesmo viveu algo semelhante e se livrou ou ainda luta para sair. Não importa, se a situação diante do alcoolismo é de sombra ou escuridão. A sombra deixa a pessoa confortável, naquele lance de que às vezes atrasa para o trabalho porque exagerou na bebida no dia anterior ou, mesmo sabendo que está grávida, não resiste à tentação de ficar sem a cervejinha, tomando uma quantidade que julga ter o controle. Existem aqueles que já não conseguem ficar sem tomar um gole todos dias, sentem que a bebida está te prejudicando. Pode ser que, a sombra do alcoolismo esteja deixando-o confortável.  Tome cuidado para que não se torne escuridão ao nível de não ver mais a saída.

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