A demência (transtorno neurocognitivo maior) é uma síndrome clínica, que cursa com deterioração dos domínios cognitivos, alterações de comportamento e prejuízo funcional. À medida que a população envelhece, o número de pessoas com demência também vai aumentando de forma progressiva. No ano de 2013, ocorreu mudanças nos critérios de demência com a publicação do novo Manual de Diagnóstico e Classificação dos Transtornos Mentais DSM-5, pela Associação de Psiquiatria Americana, mudanças estas significativas, concernentes ao tópico do manual que trata sobre demência e transtornos cognitivos.
A primeira grande mudança refere-se à nomenclatura. A denominação demência foi substituída por transtorno neurocognitivo maior e os casos mais leves de prejuízo cognitivo sem interferência funcional, antes diagnosticados como comprometimento cognitivo leve, receberam a denominação de transtorno neurocognitivo leve. Neste último, apesar de uma independência nas atividades cotidianas, pode haver estratégias compensatórias, necessidade de maior esforço ou acomodação. A utilização do termo demência ficou restrita aos transtornos neurocognitivos devido ao processo neurodegenerativo.
Segundo os critérios do DSM-5, os transtornos neurocognitivos são diagnosticados a partir de um declínio cognitivo em relação a um nível de desempenho anterior, reforçado pelo relato do próprio indivíduo, de um informante ou pela observação clínica. O DSM-5 ainda salienta a importância de que o desempenho cognitivo seja documentado por teste neuropsicológico padronizado ou avaliação clínica quantificada, de forma complementar.
Domínio Cognitivo
Os critérios para os vários Transtornos Neurocognitivos (TNCs) baseiam-se em domínios cognitivos definitivos. Nesse sentido, percebe-se no primeiro domínio cognitivo, o fator da atenção complexa – aqui pode-se observar na pessoa uma atenção sustentada ou atenção dividida, ainda a atenção seletiva e a velocidade de processamento. No caso do Transtorno Neurocognitivo Maior, percebe-se como sintomas a dificuldade maior em ambientes com múltiplos estímulos (Tv, rádio, conversa); é distraído com facilidade por eventos concomitantemente no meio ambiente. O indivíduo não consegue participar a menos que a quantidade de estímulos seja limitada e simplificada.
Outro ponto possível de observar está na dificuldade de manter novas informações, como relembrar números de telefone ou endereço recentemente fornecidos ou ainda relatar o que acabou de ser dito. Também a pessoa não consegue fazer cálculos mentais. Todo pensamento leva mais tempo do que o normal, e os componentes a serem processados têm de ser simplificados para um ou poucos.
Exemplos de avaliações:
Atenção Sustentada: manutenção da atenção ao longo do tempo (ex. pressionar um botão sempre que escuta um tom e durante certo tempo).
Atenção Seletiva: Manutenção da atenção apesar de estímulos concorrentes e/ ou distratores: escutar a leitura de letras e números e repetir apenas as letras.
Atenção dividida: Participar de duas tarefas: bater rapidamente enquanto aprende uma história que está sendo lida linda. A velocidade de processamento pode ser quantificada em qualquer tarefa cronometrando-a (ex., tempo para unir blocos em determinada forma; tempo para combinar símbolos com números; velocidade para responder, como a velocidade de contagem ou velocidade de séries de 3.)
Domínios neurocognitivos – Função executiva
Dentro das funções executivas observa-se no paciente a capacidade para o planejamento, tomada de decisão, memória de trabalho, resposta a feedback/correção de erros, substituir hábitos/inibição, flexibilidade mental. Quando se trata do Transtorno Neurocognitivo Leve, um esforço maior é necessário para concluir projetos que tenham várias etapas. Maior dificuldade de retomar uma tarefa interrompida por visita ou telefonema, dentre outras dificuldades, porém, no Transt. Neuroc. Maior, é observado o abandono de projetos complexos; necessidade de concentrar-se em uma tarefa de cada vez; necessidade de confiar em outros para planejar atividades importantes da vida diária ou tomar decisões. Nesse último caso, o paciente pode ser avaliado da seguinte forma:
- Planejamento: Habilidade para encontrar a saída em um labirinto; interpretar uma combinação de figuras ou objetos em sequência.
- Tomada de decisão: Desempenho de tarefas que avaliam o processo de decisão diante de alternativas (ex., simulação aposta).
- Memória de trabalho: Capacidade de manter informações por período curto e de série de números ou palavras, de trás para a frente).
- Resposta e feedback/utilização de erros: Capacidade de beneficiar-se de feedback ou crítica para inferir às regras para resolver um problema.
- Substituição de Hábitos/inibição: Capacidade de escolher uma solução mais complexa e exigente para ser correto (ex, olhar além do rumo indicado por uma flecha; dar nome à cor da fonte de uma palavra e não nomear a palavra).
- Flexibilidade mental/cognitiva: Capacidade de mudar entre dois conceitos, tarefas ou regras de resposta (ex. de número para letra, de resposta verbal para pressionamento de tecla, de soma de números para o ordenamento de números, de ordenamento de objetos por tamanho para ordenamento por cor).
Ainda é possível e necessário observar outros Domínios Cognitivos como, Perceptomotor que inclui habilidades abrangidas por termos como percepção visual, visuoconstrutiva, perceptomotora, práxis e gnosia (podem ser definidas como a capacidade do cérebro de reconhecer, por meio dos nossos sentidos, informações que foram adquiridas anteriormente, como objetos, pessoas, cheiros, lugares, etc..) Apresenta grandes dificuldades com atividades antes familiares (uso de instrumentos, direção de veículo automotivo), navegação em ambientes conhecidos; costuma ficar confuso ao anoitecer, quando sombras e níveis reduzidos de luz mudam as percepções.
Domínio Cognitivo da Linguagem – pode ser linguagem expressiva ou receptiva. nesse caso, costuma usar expressões de uso comum, como “aquela coisa” e “você sabe o que quero dizer” e prefere pronomes genéricos a nomes. Quando envolve prejuízos graves, pode até não lembrar o nome de amigos mais próximos e familiares. Ocorrem o uso de palavras idiossincráticas (características do comportamento, palavras próprias/criadas), erros gramaticais e espontaneidade produtiva, bem como economia de comentários; estereótipos no discurso ocorrem; ecolalia (repete mecanicamente palavras ou frases que ouve) e discurso automático costumam anteceder o mutismo (transtorno de ansiedade – fracasso em falar em situações sociais).
Ainda deve-se observar também o Domínio Cognitivo na Aprendizagem e Memória – nela está presente a falta de memória imediata, recente, incluindo recordação livre, recordação por pista de memória de reconhecimento). Memória de muito longo prazo (semântica, autobiográfica), aprendizagem implícita. Deve ainda perpassar pela avaliação da Cognição Social, onde deve-se avaliar o reconhecimento de emoções e teoria da mente.
Por fim, o tratamento do transtorno neurocognitivo dependerá de sua causa ou origem, devendo contemplar medidas farmacológicas e não-farmacológicas. Assim o tratamento deve acontecer sob a orientação de uma equipe multiprofissional, que tenha a capacidade de trabalhar de maneira interdisciplinar, considerando não só o paciente de maneira integral, mas também familiares e cuidadores.
Referências:
DSM – 5, pág.593-596. Ed. Artmed, 2014.
Revista Ciências em Saúde v6, n 4, 2016